📌 FELIPA CRÍTICA: UM ÚLTIMO MATE PARA DOM ORTEGA

Criada e escrita por Marcos Vinicius da Silva, vencedor da categoria de Melhor Literário no TFA, chega agora sua nova empreitada: À Dom Ortega, uma trilogia de contos que mergulha na força da tradição e nos ritos de despedida. O primeiro capítulo dessa jornada estreou no último sábado pela plataforma Webtvplay — e já pode ser lido na íntegra por lá.

Nem todo conto precisa de explosões, assassinatos ou grandes revelações para deixar marca. Às vezes, basta uma cuia de mate, um galpão silencioso e um velho teimoso encarando o frio com dignidade. Um Último Mate para Dom Ortega aposta justamente nisso: a força do simples.

Um Último Mate para Dom Ortega é daqueles contos que já começam pedindo silêncio e reverência. O cenário do pampa gaúcho, coberto por geada e açoitado pelo minuano, surge como se fosse retirado de uma tela de cinema em câmera lenta. O autor não economiza na ambientação: cada sopro de vento, cada estalo do frio, cada fiapo de fumaça do mate ganha destaque quase coreográfico. A atmosfera é, de fato, um dos pontos mais fortes do texto. O leitor sente frio, ouve o silêncio, enxerga o galpão como se estivesse dentro dele. Esse cuidado em construir um espaço narrativo denso revela maturidade estética e uma clara intenção de transformar o simples em ritual.

E aí chegamos à essência do conto: o mate. Não é só erva, água quente e cuia; é símbolo, memória, legado. É a vida toda de Dom Ortega servida em goles compartilhados com a filha. O gesto, repetido ao longo do texto, não é gratuito. Ele é carregado de um simbolismo que vai além da bebida: é tradição, é despedida, é o último elo de intimidade entre pai e filha. Nesse sentido, o conto acerta em cheio. O leitor entende a grandeza do simples e percebe que estamos diante de uma narrativa que escolhe a delicadeza como motor.

Mas como toda roda de chimarrão, em que a cuia às vezes demora tanto a chegar que o mate esfria, o conto também sofre de sua lentidão. O autor parece apaixonado pelo próprio minuano e não consegue deixá-lo em paz. O vento aparece tantas vezes que quase se torna um personagem irritante — e não dos mais interessantes. O frio, o silêncio, o peso da memória… tudo isso é importante, mas não precisa ser martelado a cada parágrafo. Há momentos em que o texto se alonga em contemplações que poderiam ser resolvidas em metade das palavras. É o tipo de excesso que faz o leitor pensar: “Tá, eu já entendi que o campo é silencioso e que o vento é gelado, podemos seguir?”

Outro ponto que merece atenção é a previsibilidade do desfecho. Dom Ortega fechando os olhos, sorrindo, depois de seu último mate — alguém tinha alguma dúvida de que isso iria acontecer? É bonito, é poético, é coerente. Mas não surpreende. E aqui não se trata de pedir uma reviravolta melodramática (ninguém espera que Clara revele ser uma espiã internacional, claro), mas talvez um pequeno gesto inesperado, uma lembrança inédita, uma frase de impacto poderiam elevar a catarse final. Do jeito que está, o conto encerra de forma digna, mas não memorável.

Apesar disso, há méritos que precisam ser reconhecidos. O autor tem domínio do tom intimista. Consegue criar diálogos enxutos que comunicam mais pelo silêncio do que pelas palavras. A relação entre pai e filha é construída sem exageros sentimentais baratos — não há lágrimas fáceis, apenas uma ternura contida, que é muito mais eficaz. Dom Ortega é um personagem que carrega peso e dignidade, sem precisar de grandes discursos. Clara é a presença que acolhe e prepara o terreno para a continuidade da memória. É um texto que, em essência, valoriza o humano no que ele tem de mais frágil e, por isso mesmo, mais bonito.

No balanço final, Um Último Mate para Dom Ortega é um conto que entrega exatamente o que promete: um rito de despedida. Ele é lento, às vezes excessivamente; é previsível, mas confortador; é repetitivo, mas atmosférico. É como aquele último mate: pode demorar um pouco para descer, pode estar morno pelo tanto que a cuia rodou, mas aquece. O autor mostra talento em transformar o ordinário em poético e o cotidiano em ritual. Com um pouco mais de contenção nos devaneios climáticos e um detalhe inesperado no final, poderia ser um conto de impacto ainda maior.

Mas, mesmo assim, funciona. Funciona porque emociona sem cair no melodrama, porque pinta um retrato de despedida que é simples, humano e sincero. E, convenhamos, num cenário literário em que muita gente força lágrimas artificiais, entregar um conto que emociona pelo silêncio já é um mérito enorme.



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