📌 FELIPA CRÍTICA: DESEJOS NO PARAÍSO
Desejos no Paraíso, novela criada por João Vitor Alves e com direção artística de Ezel Lemos, surge como aposta da Ranable Webs para explorar o melodrama em um cenário tropical. Em seu primeiro capítulo, o roteiro já apresenta uma trama carregada de paixões, conflitos familiares e ambições políticas, mas que aqui oscilam entre o potencial narrativo e o excesso de clichês.
O primeiro capítulo de Desejos no Paraíso inicia-se com o fôlego típico de uma telenovela brasileira clássica, mas tropeça exatamente onde mais deveria brilhar: na construção de diálogos verossímeis, no ritmo narrativo e na originalidade dramática. Embora o texto busque inspiração em autores como Janete Clair ou Glória Perez, acaba mais próximo de uma colagem de clichês do que de uma trama envolvente.
A superexposição emocional é uma das marcas mais evidentes: personagens berram seus dilemas sem pudor, como Diane gritando que “não aguenta mais” ou Paula suplicando aos céus para que a filha não tire a própria vida. Essa escolha lembra o melodrama dos anos 1970, mas sem a densidade poética que sustentava personagens como os de Irmãos Coragem.
O resultado soa artificial, mais como um ensaio escolar de dramaturgia do que como um roteiro profissional. O problema é agravado pelos diálogos mecânicos e redundantes. Poucas falas soam naturais; a maioria funciona como legenda do óbvio. Um exemplo gritante é quando Clarice diz: “Entendo sua revolta, mas é uma ordem da General Paula!”. A intenção de humor é visível, mas o texto não sustenta a leveza necessária, parecendo um bordão mal ensaiado. Como observa Robert McKee em Story, bons diálogos revelam mais nas entrelinhas do que na superfície. Aqui, infelizmente, tudo é martelado sem espaço para sutileza.
A construção das personagens cai facilmente na caricatura. Temos a mãe superprotetora e religiosa, a filha frágil e traumatizada, a mulher exuberante e desejada, o marido ciumento, o empresário negro que grita com a secretária incompetente e a socialite fútil e sensual. Cada núcleo apresenta conflitos, mas todos já foram explorados exaustivamente nas novelas dos anos 1990, sem atualização. O drama de Diane é um eco mal resolvido de figuras traumatizadas que poderiam ter saído de Mulheres Apaixonadas.
O ritmo narrativo também compromete a obra. O capítulo se divide em mais de vinte cenas, pulando da praia ao restaurante, da prefeitura a São Paulo, de forma apressada. Essa pressa enfraquece a empatia. Soma-se a isso o uso excessivo da trilha sonora, repleta de hits de Lulu Santos a Aretha Franklin, mas que funciona mais como muleta emocional do que como parte orgânica da trama. Parece que o autor não confia no texto para transmitir emoção e precisa do recurso sonoro para carregar nas tintas. Como lembra Umberto Eco em Apocalípticos e Integrados, quando a música serve apenas para reforçar obviedades narrativas, ela deixa de ser estética e se torna um atalho barato.
Apesar dos problemas, há méritos. A ambientação praiana é visualmente atrativa e tem potencial para se tornar uma marca registrada da trama. O gancho final — a proposta de compra do restaurante — é eficiente em prender a atenção do público para o capítulo seguinte. Além disso, a tentativa de abordar temas como depressão e abuso, mesmo que mal articulada, revela uma preocupação em não ficar apenas na superfície do melodrama.
Em resumo, Desejos no Paraíso parece mais um catálogo de intenções do que uma narrativa sólida. Há boas ideias, mas encobertas por diálogos artificiais, personagens caricatos e uma pressa quase amadora em costurar núcleos demais. O texto se aproxima mais de uma paródia involuntária de novela do que de um melodrama maduro. Se o autor deseja realmente dialogar com o público das telenovelas brasileiras, precisa lapidar a escrita, evitar a redundância emocional e, sobretudo, confiar menos em clichês e mais na complexidade humana.
Caso contrário, corre o risco de se tornar apenas mais um produto esquecido na imensa prateleira das novelas genéricas: Um começo promissor em cenário, mas pobre em execução.
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